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A fala e a falta de Ivald Granato

hoje me senti possuído pela ausência de Ivald Granato. pareceu que nunca havia estado tão absorvido, distraído do mundo, da vida prática. esqueci de tudo. apesar da trajetória, ele era um homem novo, atuante como lhe era possível.

quando entrou na sala,,,, dias atrás,,,,,, não ouvi bem o que dizia. I-a-m I-v-a-l-d, I-v-a-l-d, g-r-a-n-a-t-o. Repetiu, e depois mais nenhuma palavra eu consegui captar, fiquei na dúvida se poderia ser "i'm not andy warhol" ou "i'm not joseph beuys". depois falou de alguma coisa que ocorria numa praça, tampouco ouvi. ele vestia terno e gravata, e se encobria com um edredom amarelo até a cabeça, enquanto ia tirando porções de bolinhas de gude do bolso com a mão esquerda, pegando uma a uma com a direita e deixando cair no chão. foi até o fundo da sala e voltou. durou o quê? uns 3 minutos... a ação começa, introduz algo estranho e acaba. ele agradeceu e tal. """"""" mito vadio, isso é um ritual, seu trabalho é apresentado em exposição com recortes de jornal e fragmentos sem nenhuma pretensão a grande-arte, um resíduo superficial, aparentemente classificado e organizado, mas que mal se reconhece, a não ser com a leitura paciente. o corpo passou, a poesia falou, e o que sobra é vazio, espaço, um nada-em-processo.

Ivald estava contente, e sua alegria não era apenas terna, mas mordaz, cheia de chistes sobre a situação dele próprio, de certo modo trágica, mas entendo, lidamos mal com a ideia de que a bolsa se constitua na principal fonte de valores simbólicos, não sei se alguém um dia entrou numa galeria sem pensar nisso de alguma maneira. crítico e alegre, uma pitada de clown, deveria ser inquieto, queimar por dentro. por que entrar? sair das ruas onde há umas décadas praticava seus atos performáticos? o que nos impulsiona para dentro, mesmo que entremos como o ouriço? será uma busca por outra forma, mais pausada, de diálogo? a ação termina, mas quando há coleções de memórias expostas, ela deixa para trás algo como um templo.

mudamos de sentido o tempo todo, quando entramos e saímos, entramos no quarto e saímos sonhando. passei a entender ali, naquela performance, um pouco melhor o que se chama de "pioneirismo" quando falam de mitos vadios, o pioneiro ultrapassa a si mesmo com o que vem de fora e o de fora consigo mesmo, transforma tudo em referência local. a citação a beuys, em Ivald, substituía o feltro por edredom, o coyote por pessoas, o cajado por esferas de vidro. esse é um tipo de pioneiro que vai de superfície em superfície, criando um novelo, o sabor da própria crítica não lhe permite descansar nem acreditar na ilusão do novato, de que inventa por si mesmo o que faz. vi aquela performance como um meio de Ivald ser o que já é, junto com o que é mas normalmente não expressa, um disfarce liberador, que o permite acessar o momento de forma incomum. a referência ao outro (beuys, por exemplo) cria formas momentâneas de máscara social, age como antropólogo observador por detrás da ação. vi um pioneiro feito do acúmulo de resíduos, performer da bricolagem, sem nada de fato para dizer que inventou ou que tenha sido o primeiro a fazer. a ação termina e é oferecida com humildade à vida, por isso, ao cabo, já não está mais lá.

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